Tristeza de Verão
O sol, na areia, aquece, ó brava adormecida,
O ouro da tua coma em banho langoroso,
Queimando o seu incenso em tua face aguerrida,
E mistura aos teus prantos um filtro amoroso.
Desse branco fulgor a imóvel calmaria
Te faz dizer, dolente, ó carícias discretas,
“Jamais nós dois seremos uma múmia fria
Sob o antigo deserto e as palmeiras eretas!”
Porém os teus cabelos, rio morno, imploram
Para afogar sem medo a nossa alma triste
E encontrar esse Nada que em teu ser não medra.
Degustarei o bistre que teus cílios choram
Para ver se ele doa àquele que feriste
A insensibilidade do azul e da pedra.
***
Triunfalmente a Fugir…
Triunfalmente a fugir o belo suicida,
Tição de glória, espuma em sangue, ouro, tormenta!
Oh! riso se me chama a púrpura perdida
Ao cortejo real da tumba que me tenta.
Não! de todo o fulgor nem mesmo se sustenta
Um brilho, é meia-noite e a sombra nos convida,
Salvo o tesouro audaz que uma cabeça ostenta
No mimado torpor sem lume em que é servida.
A tua, sempre, sim, delícia que me vem,
A única que do céu extinto ainda retém
No meu pentear, pueril, um pouco da triunfante
Luz, quando a pousas, só, entre as dobras sedosas,
Capacete imortal de imperatriz infante
De onde, para espelhar-te, choveriam rosas.
❧
Angústia
Não venho aqui vencer, ó besta, nesta noite,
Teu corpo cheio dos pecados de uma raça,
Nem pôr no teu cabelo uma procela triste,
Sob o tédio fatal que os meus beijos infundem:
Peço-te um sono bruto e sem sonhos, entrando
Através dos dosséis alheios ao remorso –
Que tu gozas após tuas negras mentiras,
Tu que do Nada sabes mais que os próprios mortos.
Porquanto o Vício, a roer minha inata nobreza,
Marcou-me, como a ti, com a esterilidade;
Porém enquanto o teu pétreo seio resguarda
Um coração que crime algum pode ferir,
Fujo com o meu sudário, assombrado e vencido,
Com medo de morrer quando durmo sozinho.
***
A tumba de Edgar Poe
Tal que a Si-mesmo enfim a Eternidade o guia,
O Poeta suscita com o gládio erguido
Seu século espantado por não ter sabido
Que nessa estranha voz a morte se insurgia!
Vil sobressalto de hidra ante o anjo que urgia
Um sentido mais puro às palavras da tribo,
Proclamaram bem alto o sortilégio atribu –
Ído à onda sem honra de uma negra orgia.
Do solo e céu hostis, ó dor! Se o que descrevo –
A ideia só – não esculpir baixo-relevo
Que ao túmulo de Poe luminescente indique,
Calmo bloco caído de um desastre obscuro,
Que este granito ao menos seja eterno dique
Aos voos da Blasfêmia esparsos no futuro.
Poemas de:
Stéphane Mallarmé
- Adonis em Ver-O-Poema: O Bosque da Esperança e Alquds em Concerto
- Fernando Andrade entrevista Beth Brait Alvim: Sobre solidão e combate, no livro ‘Muros, Bunkers e Bordéis’
- Adalgisa Nery – Poemas Evolução, Angústia, A razão de eu me gostar…
- Stéphane Mallarmé: A Tristeza de Verão e Poemas da Angústia Moderna
- Jorge de Lima: Solilóquio, Nordeste e Outros Poemas Essenciais
- ‘O Afogado Mais Bonito do Mundo’ – Conto de Gabriel García Márquez






