Toalhinhas de Linho
Lílian Maial
Arrumando o armário, bem lá no fundo, ela encontrou o paninho de linho com a barra bordada com pequenas e delicadas florezinhas, que havia ganhado como presente de noivado. Na verdade, um joguinho de três toalhinhas de mão, ricamente trabalhadas, variando apenas o tipo de flores e suas cores suaves, apropriadas para uso em lavabos. Presente de sua madrinha. Um luxo só!
Quando casou, início de vida a dois, sua moradia era simples, apartamento pequeno, alugado, tinha um único banheiro. Era um prédio antigo, não havia lavabo. Guardou as toalhinhas para quando tivesse seu apartamento próprio, certamente maior e com um lindo lavabo, que ela caprichosamente ornaria com aquelas preciosidades bem talhadas.
Sua mãe a aconselhara a usar no banheiro mesmo, no seu dia a dia, porque as coisas bonitas deveriam ficar à mostra e enfeitar todos os momentos. Mas ela era cuidadosa, tinha receio de estragar as peças, que acabariam inevitavelmente, na correria do cotidiano, esgarçadas dentro da máquina de lavar, e preferiu postergar, aguardando o momento certo.
E o joguinho de toalhinhas de linho — refinadas e belas — foi ficando cada vez mais no fundo do armário.
Alguns anos depois, conseguiu o apartamento financiado, mas os recursos do casal não permitiam a aquisição de um que tivesse lavabo. Tinha suite e banheiro social, mas não lavabo.
Sua mãe novamente insistiu para que usasse as belezuras bordadas no banheiro da suíte, para que todos os dias pudesse contemplar a delicadeza logo pela manhã. Ela, então, decidiu que usaria no banheiro social, em ocasiões em que recebesse visitas especiais.
O financiamento durou longos 15 anos, 4 filhos, peitos e barriga caídos, têmporas grisalhas precocemente.
Em pouco tempo, veio o divórcio. Descobriu que compartilhava sua pobre felicidade com outra criatura, que possivelmente usava lindas toalhas de linho bordadas no banheiro.
Amargou anos de luto. Se embrenhou numa luta sem fim para sobreviver e criar os 4 filhos. Nunca usou as peças, que eram brancas. Não via razão para colocá-las em uso. Não recebia ninguém, não se casou de novo, não precisava de nada de luxo. Preferiu, quem sabe, guardá-las para uma filha que tivesse a sorte de um apartamento com lavabo.
Os filhos cresceram e se casaram, as filhas não. Preferiram ficar livres e morar com a mãe, sem maiores preocupações ou trabalho doméstico. E as toalhinhas permaneceram sem finalidade.
E, então, tantos anos depois, ela as reencontra, já um tanto amareladas, se assemelhando à sua vida encardida.
Sua mãe, já falecida, não chegou a usá-las, talvez até tenha ficado magoada, por não ter sido considerada uma visita especial.
Naquele momento, ela não sabia o que fazer com aquelas belas peças do passado. Não combinavam mais com a nova decoração do apartamento atual, nem ela recebia quem quer que fosse, especial ou não.
Pensou em doá-las. Esse pensamento a incomodou. Haviam sido presente de noivado. Simbolizaram sonhos. E sonhos não envelhecem. Ou será que o Clube da Esquina esqueceu que nós envelhecemos?
Por via das dúvidas, as realocou no fundo do armário.
Mudou de ideia. Trouxe-as mais para a frente. Gostava de olhá-las. Afinal, a vida ali, bordada com tanto esmero, guardada para depois, tinha muita urgência agora, que seus exames de rotina exibiam imagens semelhantes a delicadas flores bordadas, de contornos borrados, em seu abdome.
Lílian Maial
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