
Em ti choramos os outros mortos todos
Os que foram fuzilados em vigílias sem data
Os que se perdem sem nome na sombra das cadeias
Tão ignorados que nem sequer podemos
Perguntar por eles imaginar seu rosto
Choramos sem consolação aqueles que sucumbem
Entre os cornos da raiva sob o peso da força
.
Não podemos aceitar. O teu sangue não seca
Não repousamos em paz na tua morte
A hora da tua morte continua próxima e veemente
E a terra onde abriram a tua sepultura
É semelhante à ferida que não fecha
.
O teu sangue não encontrou nem foz nem saída
De Norte a Sul de Leste a Oeste
Estamos vivendo afogados no teu sangue
A lisa cal de cada muro branco
Escreve que tu foste assassinado
.
Não podemos aceitar. O processo não cessa
Pois nem tu foste poupado à patada da besta
A noite não pode beber nossa tristeza
E por mais que te escondam não ficas sepultado
.
Sophia de Mello Breyner Andresen, no livro “O Cristo cigano e Geografia”. Companhia das Letras, 2024

”Para que acalme os peixes no aquário” – A poesia de Elke Lubitz
Descrevi o silêncio
que guardei nos teus olhos
Pupilas de seda
revirando a lua…

“Boca de Cena” poemas do belo livro de Alfredo Rossetti
Meu pai sentenciou num dia de riso
De largueza cínica que sou do contra:
(vide todos estes versos)
Tomo banho em águas de rios repassadas.
Nas tardes sento em nuvens por aí,

Autor
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Sophia de Mello Breyner Vandresen. nasceu em 1919, no Porto, Portugal. Sua obra, que inclui poemas, contos, livros infantis e ensaios, recebeu inúmeros prêmios, como o Camões (1999) e o Reina Sofía (2004). Toda sua poesia foi reunida em Portugal no volume Obra poética (Assírio & Alvim, 2015). Faleceu em 2004.