Wilson Guanais e poemas do novo livro que vem aí: “Ando Feito Estátua & outros sonhos noite adentro”

Ando feito estátua

Ando feito estátua
(não preciso
mover as pernas)

: decido velocidade
e direção a seguir

no percurso tento
ensinar todo mundo
(isso que só eu sei)

mas eles caminham
de qualquer jeito

(apressados)
não querem saber
o desnecessário.

***

Fotógrafo de ausentes

Uma criança
sem os olhos
faz pose na frente
da minha câmera
sou fotógrafo
de ausentes

ela está confortável
ali comigo
parece que ainda
vive
pula brinca ri
começa a falar

pergunto quem fez
aquele dodói
ela responde sorrindo
"foi o meu pai"

: e pede
pra ver as fotos.

***

Andarilho

Do outro lado
da muralha
tem uma cidade
linda
disseram

ando no meio
do brejo
estou sujo
por mim passaria
direto

mas a família
que nunca tive
ainda me espera

na casa
que não construí.

***

Ermo

Moro sozinho
em uma casa
no meio do mato
tudo rústico
fogão a lenha
e geladeira

tem uma vizinha
muito linda
em uma casa
semelhante

hoje conversamos
sobre algo
e descobri
por acaso
que o cachorro dela
é um gato.

***

Par

Pensei que era um bicho
dentro do meu
uniforme de trabalho
talvez um gato
atraído pelo cheiro
forte de carne crua e sangue
que exalava

a camisa bagunçava
as roupas no cesto lotado e sujo
parecia uma pessoa dentro
mas não era nada a peça
ganhou vida estava cheia de ar

amarrotei com as mãos
uma duas três vezes ou mais
e a bagunça continuou

: eu ainda vestia as pernas
que ela procurava.

***

Calado

Eu vejo
o meu pai
tão magrinho
se trocando
no meio
da casa

vão pensar
que não cuido
direito

tanto tempo
ele é falecido
e ainda mora
comigo.

***

Massacre

Pessoas me perseguem
estão furiosas comigo
não quero briga
já conversei são teimosos
preciso fugir urgente

imploro ao invisível
o par de asas que tenho
aparece um machado
em uma das minhas mãos

agradeço de coração
o pronto atendimento
(eu mereço sou do bem)
informo o envio errado

: e uma faca de desossa
aparece na outra mão.

***

Grudo cacos

Grudo cacos
de azulejos
nas paredes
(e no piso)
desse sonho

cada pedaço
sabe
(há milênios)
o seu lugar
e função
no desenho
(ainda invisível)

quase todos
da mesma cor
(eles e eu)
esperamos
as tintas
da próxima
enchente

: que
não acontece.

***

Corri tanto

Eu vi a minha amada
companheira
sair de uma loja
de ferramentas

devagarinho
ela voltava pra casa
eu vinha
de lugar nenhum

e corri tanto
atrás dela
que quando enfim
a alcancei
ela já não se lembrava
de nós

parecia tão velha
e frágil
e muito
muito mais cansada
que eu

: e de mim.

***

Caleidoscópio

De início
estranhei aquele lugar
alguém me internou
em uma clínica
de desintoxicação

venho de dentro
de mim e me apresento
'olá pessoal eu sou
o Wilson Guanais"

escuto em coro
: eu também eu também
eu também...

***

Autor

  • Wilson Guanais, Bastos-SP, 1972, mais de 20 livros publicados e participação em 180 Antologias. Entre outros, os mais recentes: Em Noites de Sol - Penalux , De Sonho e de Lama – Penalux,  A Casca da Casca (ou o Lado de dentro) – Penalux,  Em Branco Silêncio – Penalux,  O Aço, o Ninho e Outras Fragilidades - Penalux , Multi Míni Versos – Paranauê,  Cantando para surdos - CBJE 

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Tannia Contreiras

Sou suspeita: amo a poesia (e os sonhos) de Wilson.

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