Esta manhã encontrei o teu nome
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Esta manhã encontrei o teu nome
Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo doeu-me onde antes os teus dedos foram aves de verão e a tua boca deixou um rasto de canções. No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração que era o resto da vida - como um peixe respira na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos, mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.
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Vieste como um barco carregado de vento
Vieste como um barco carregado de vento Vieste como um barco carregado de vento, abrindo feridas de espuma pelas ondas. Chegaste tão depressa que nem pude aguardar-te ou prevenir-me; e só ficaste o tempo de iludires a arquitectura fria do estaleiro onde hoje me sentei a perguntar como foi que partiste, se partiste, que dentro de mim se acanham as certezas e tu vais sempre ardendo, embora como um lume de cera, lento e brando, que já não derrama calor. Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar o dia inteiro, como os pescadores fazem com as redes; e não existe no mundo cegueira pior do que a minha: o fio do horizonte começou ainda agora a oscilar, exausto de me ver entre as mulheres que se passeiam no cais como se transportassem no corpo o vaivém dos barcos. Dizem-me os seus passos que vale a pena esperar, porque as ondas acabam sempre por quebrar-se junto das margens. Mas eu sei que o meu mar está cercado de litorais, que é tarde para quase tudo. Por isso, vou para casa e aguardo os sonhos, pontuais como a noite. Em ‘O Canto do Vento nos Ciprestes’
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Fado
Dizem os ventos que as marés não dormem esta noite. Estou assustada à espera que regresses. As ondas já engoliram a praia mais pequena e entornaram algas nos vasos da varanda. E, na cidade, conta-se que as praças acoitaram à tarde dezenas de gaivotas que perseguiram os pombos e os morderam. A lareira crepita lentamente. O pão ainda está morno à tua mesa. Mas a água já ferveu três vezes para o caldo. E em casa a luz fraqueja, não tarda que se apague. E tu não tardes, que eu fiz um bolo de ervas com canela; e há compota de ameixas e suspiros e um cobertor de lã na cama e eu estou assustada. A lua está apenas por metade, a terra treme. E eu tremo, com medo que não voltes.
- ‘A tentação da sociedade’ entre podres poderes – A crônica de Helder Bentes
- ‘Acessório, frango em sílabas’ – Um conto de Octaviano Joba
- ‘CARPE DIEM – ou: meu tributo Beatnick’ em novos poemas Rubenio Marcelo
- ‘Herzog: nunca mais aquele sábado’, por Flávio Viegas Amoreira
- ‘O perigo de uma única história’, aprendendo com Chimamanda Ngozi Adichie
- ‘O poeta não é um pequeno deus’ – Pablo Neruda Nobel de literatura






