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Esta manhã encontrei o teu nome — Poemas de Maria do Rosário Pedreira

Esta manhã encontrei o teu nome

Retrato de Maria do Rosário Pedreira
Maria do Rosário Pedreira

Esta manhã encontrei o teu nome

Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida - como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida

foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama

e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos,
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.

Vieste como um barco carregado de vento

Vieste como um barco carregado de vento
Vieste como um barco carregado de vento, abrindo
feridas de espuma pelas ondas. Chegaste tão depressa
que nem pude aguardar-te ou prevenir-me; e só ficaste
o tempo de iludires a arquitectura fria do estaleiro
onde hoje me sentei a perguntar como foi que partiste,
se partiste,
que dentro de mim se acanham as certezas e
tu vais sempre ardendo, embora como um lume
de cera, lento e brando, que já não derrama calor.
Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar
o dia inteiro, como os pescadores fazem com as redes;
e não existe no mundo cegueira pior do que a minha:
o fio do horizonte começou ainda agora a oscilar,
exausto de me ver entre as mulheres que se passeiam
no cais como se transportassem no corpo o vaivém
dos barcos. Dizem-me os seus passos
que vale a pena esperar, porque as ondas acabam
sempre por quebrar-se junto das margens. Mas eu sei
que o meu mar está cercado de litorais, que é tarde
para quase tudo. Por isso, vou para casa
e aguardo os sonhos, pontuais como a noite.
Em  ‘O Canto do Vento nos Ciprestes’

Fado

Dizem os ventos que as marés não dormem esta noite.
Estou assustada à espera que regresses. As ondas já
engoliram a praia mais pequena e entornaram algas
nos vasos da varanda. E, na cidade, conta-se que
as praças acoitaram à tarde dezenas de gaivotas
que perseguiram os pombos e os morderam.

A lareira crepita lentamente. O pão ainda está morno
à tua mesa. Mas a água já ferveu três vezes
para o caldo. E em casa a luz fraqueja, não tarda
que se apague. E tu não tardes, que eu fiz um bolo
de ervas com canela; e há compota de ameixas
e suspiros e um cobertor de lã na cama e eu

estou assustada. A lua está apenas por metade,
a terra treme. E eu tremo, com medo que não voltes.

Maria do Rosário Pedreira.

Foto do autor

Maria do Rosário Pedreira (Lisboa, 21 de Setembro de 1959) é uma editora, escritora, poetisa e letrista portuguesa. É a mais mediática editora portuguesa, responsável editorial no grupo Leya.[1] Frequentou o Lar Educativo João de Deus, onde fez a escola primária[2]. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, variante de Estudos Franceses e Ingleses, foi professora durante cinco anos, na década de 1980. Em 1987 tornou-se editora graças ao esforço do Prof. António Manuel Baptista[3]. Iniciou esta actividade na área dos livros de divulgação científica[4]. De 1989 a 1998 foi autora da colecção juvenil Clube das Chaves, com Maria Teresa Maia Gonzalez, tendo publicado 21 títulos. Publicou depois também a colecção juvenil Detective Maravilhas, com 17 volumes, em 2000. Na LeYa edita autores como Nuno Camarneiro, Ana Cristina Silva, Vasco Luís Curado, Gabriela Ruivo Trindade, Norberto Morais, Nuno Amado, Cristina Drios, Carlos Campaniço, João Rebocho Pais e Paulo Moreiras[5].

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