Paixão pela leitura!

Poemas de Adília Lopes

Poemas de Adília Lopes

ESTA IRENE não me deixa ouvir a sirene

vou-me pôr a ver passar a ambulância

se for carro dos bombeiros decerto

vermelho se for da

Polícia normalmente azul

levarei para o parapeito

o meu peito velho e virgem e a lata

das bolachas maria mas podia

em vez de octogenária e bulímica

ter alguns meses biquentos e usar babadoiro

ser talvez qual tímida donzela

pela miúda gelosia espreitando

feia no berço: bonita à janela não

não a avisto ainda apenas a sirene

e aquela abelhuda da Irene a cantar:

Minha mãe é pobrezinha

Não tem nada que me dar

Dá-me beijos, coitadinha…!

e eu que queria ouvir bem a sirene

e ver o incêndio o assalto a estropiada o estupro

rilharei bolachas maria

até ao fim deste dia

e do outro?

§

A MINHA MUSA antes de ser

a minha Musa avisou-me

cantaste sem saber

que cantar custa uma língua

agora vou-te cortar a língua

para aprenderes a cantar

a minha Musa é cruel

mas eu não conheço outra

§

No more tears

Quantas vezes me fechei para chorar

na casa de banho da casa da minha avó

lavava os olhos com shampoo

e chorava

chorava por causa do shampoo

depois acabaram os shampoos

que faziam arder os olhos

no more tears disse Johnson & Johnson

as mães são filhas das filhas

e as filhas são mães das mães

uma mãe lava a cabeça da outra

e todas têm cabelos de crianças loiras

para chorar não podemos usar mais shampoo

e eu gostava de chorar a fio

e chorava

sem um desgosto sem uma dor sem um lenço

sem uma lágrima

fechada à chave na casa de banho

da casa da minha avó

onde além de mim só estava eu

também me fechava no guarda-vestidos grande

mas um guarda-vestidos não se pode fechar por dentro

nunca ninguém viu um vestido a chorar

§

Prêmios e comentários

A avó Zé e a tia Paulina

deram-me os parabéns

e disseram

agora já é uma senhora!

a Maria disse

parabéns por quê?

é uma porcaria!

quanto a comentários

a poesia e a menarca

são parecidas

__

Em 72 recebi

o prémio literário

dos pensos rápidos Band-Aid

o prémio foi uma bicicleta

às vezes penso

que me deram uma bicicleta

para eu cair

e ter de comprar pensos rápidos

Band-Aid

é o que penso dos prémios literários

em geral

§

NÃO GOSTO tanto

de livros

como Mallarmé

parece que gostava

eu não sou um livro

e quando me dizem

gosto muito dos seus livros

gostava de poder dizer

como o poeta Cesariny

olha

eu gostava

é que tu gostasses de mim

os livros não são feitos

de carne e osso

e quando tenho

vontade de chorar

abrir um livro

não me chega

preciso de um abraço

mas graças a Deus

o mundo não é um livro

e o acaso não existe

no entanto gosto muito

de livros

e acredito na Ressurreição

de livros

e acredito que no Céu

haja bibliotecas

e se possa ler e escrever

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