Paixão pela leitura!

Poemas de Paulo Mendes Campos

OS DOMINGOS

Todas as funções da alma estão perfeitas neste domingo.
O tempo inunda a sala, os quadros, a fruteira.
Não há um crédito desmedido de esperança
Nem a verdade dos supremos desconsolos —
Simplesmente a tarde transparente,
Os vidros fáceis das horas preguiçosas,
Adolescência das cores, preciosas andorinhas.

Na tarde — lembro — uma árvore parada,
A alma caminhava para os montes,
Onde o verde das distâncias invencidas
Inventava o mistério de morrer pela beleza.
Domingo — lembro — era o instante das pausas,
O pouso dos tristes, o porto do insofrido.
Na tarde, uma valsa; na ponte, um trem de carga;
No mar, a desilusão dos que longe se buscaram;
No declive da encosta, onde a vista não vai,
Os laranjais de infindáveis doçuras geométricas;
Na alma, os azuis dos que se afastam,
O cristal intocado, a rosa que destoa.
Dos meus domingos sempre fiz um claustro.
As pétalas caíam no dorso das campinas,
A noite aclarava os sofrimentos,
As crianças nasciam, os mortos se esqueciam mortos,
Os ásperos se calavam, os suicidas se matavam.
Eu, prisioneiro, lia poemas nos parques,
Procurando palavras que espelhassem os domingos.
E uma esperança que não tenho.

§

NESTE SONETO

Neste soneto, meu amor, eu digo,
Um pouco à moda de Tomás Gonzaga,
Que muita coisa bela o verso indaga
Mas poucos belos versos eu consigo.
Igual à fonte escassa no deserto,
Minha emoção é muita, a forma, pouca.
Se o verso errado sempre vem-me à boca,
Só no meu peito vive o verso certo.
Ouço uma voz soprar à frase dura
Umas palavras brandas, entretanto,
Não sei caber as falas de meu canto
Dentro de forma fácil e segura.
E louvo aqui aqueles grandes mestres
Das emoções do céu e das terrestres.

§

TRÊS COISAS

Não consigo entender
O tempo
A morte
Teu olhar

O tempo é muito comprido
A morte não tem sentido
Teu olhar me põe perdido
Não consigo medir
O tempo
A morte
Teu olhar

O tempo, quando é que cessa?
A morte, quando começa?
Teu olhar, quando se expressa?

Muito medo tenho
Do tempo
Da morte
De teu olhar

O tempo levanta o muro.
A morte será o escuro?
Em teu olhar me procuro.

§

DEFINIÇÃO

O tempo não é a fonte
Jorrando dois jatos d’água
De uma carranca bifronte

Não é pesado nem leve
Não é alto nem rasteiro
Não é longo nem é breve

Nem tampouco o passadiço
Suspenso entre dois vazios
Como frágil compromisso

O tempo é meu alimento
Meu vestido, meu espaço
Meu olhar, meu pensamento.

§

CHESTERTON

Perguntei ao homem da bilheteria
pra onde ia o próximo trem.
Ao que ele respondeu com afetação:
“Para onde deseja ir?”
E eu respondi
com profundidade e filosofia:
“Para onde for o próximo trem”.

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