
VISITAS
As que sempre chegam tarde
As que desmarcam no último minuto
As que só vão dar uma passadinha
As que só foram convidadas porque nos convidaram antes
As que se chateiam por não terem sido convidadas
As que não foram convidadas, mas mesmo assim estão na porta
As que vêm cheias de restrições alimentares
As que vêm com plantas, bebês e são-bernardos
As vizinhas que não conseguem dormir por causa da música
As que sempre contam piadas de judeu
As que só tomam água mineral
As que já estão com os olhos fechando
As que se fotografam o tempo todo
As que precisam ir fumar na varanda
As que sempre sabem quem tem o que com quem
As que insistem que isso deve ficar entre nós
As que tomaram uísque demais
As que ainda precisam dar um pulinho em outro lugar
As que ficam até todo mundo ir embora
As que são bem-vindas mesmo quando não ligam antes
As que fazem falta porque estão debaixo da terra
§
O NOVO HOMEM
Este novo homem
parece estranho.
Agradável
essa dessemelhança.
“A cara do pai.”
Tomara que não.
Ele trabalha duro,
faz barulho.
Não temos ideia
do que ele quer.
Respira, digere,
rasteja, geme.
Hesitante percebe
a duplicidade.
Escala palavras,
experimenta
gangorra, balanço,
ousadia, medo.
Um dia, mais esperto
do que nós, nos surpreende.
Então, enquanto
morremos aos poucos,
ele fica cada vez mais
parecido conosco.
§
OS RICOS
De onde é que continuam surgindo,
essas hordas opulentas! Depois de cada desastre
rastejam para fora das ruínas,
incólumes; escorregam através
de cada buraco de agulha,
abundantes, abastados, abençoados.
Os mais pobres. Ninguém gosta deles.
Carregam fardos pesados.
Nos insultam,
têm culpa de tudo,
não podem fazer nada,
devem partir.
Nós tentamos de tudo.
Pregamos para eles,
imploramos,
e só quando não havia alternativa é que
chantageamos, expropriamos, saqueamos.
Nós os deixamos sangrando
e os pregamos no muro.
Mas mal abaixamos as armas
e tomamos lugar em suas poltronas
constatamos, primeiro incrédulos,
depois respirando aliviados,
que ninguém é páreo para nós.
Sim, sim, a gente se acostuma com tudo.
Até a próxima.
§
MIDDLE CLASS BLUES
Não podemos reclamar.
Temos trabalho a fazer.
Estamos de barriga cheia.
Comemos.
A grama cresce,
cresce o PIB,
a unha do dedo,
o passado.
As ruas estão vazias.
Os contratos estão fechados.
As sirenes estão caladas.
Isso vai passar.
Os mortos fizeram seu testamento.
A chuva deu uma trégua.
A guerra ainda não foi declarada.
Isso não tem pressa.
Comemos a grama.
Comemos o PIB.
Comemos as unhas.
Comemos o passado.
Não temos nada a esconder.
Não temos nada a perder.
Não temos nada a dizer.
Temos.
Deram corda no relógio.
Pagaram os boletos.
Lavaram os pratos.
O último ônibus está passando.
Vazio.
Não podemos reclamar.
O que estamos esperando?
§
DESARMONIA PREESTABELECIDA
Para cada um que quebra
a garrafa de cerveja na cabeça do imigrante,
um cirurgião de emergência
que sutura o crânio.
E vice-versa.
Para cada caça-minas
que arrisca sua pele,
um traficante de armas.
E vice-versa.
Para cada estuprador, uma mulher
com a peixeira na mão,
para cada assistente social, um neonazi,
para cada um que ganha mais,
um fiscal da receita, para cada monstro,
uma suave Madona, e vice-versa.
Ah, todos nós temos
as mãos cheias de coisas por fazer.
Não há fim à vista.